prevendo
o futuro arqueou em frente direção ao sol e desconhecido vendo de olhos
fechados a faísca de pouca luminosidade branda quebrada em pedaços pequenos,
entrar aos cuidados e cômodos. nada que parecia ter certeza se fizera tão
incerto e descontente e sem sorrisos ou flores no jardim. quando era tarde
demais o tempo nada se passava deixando de ser presente em qualquer formato que
fosse. e agora o que diria do tempo e de tantas noites mal dormidas, quando
olhava pela janela as frustrações dos outros lhe passando e cantando em
melodias suaves um amor que desconhecera. cansou entre tanta melancolia e mais
nada de diferente, ordenou em sua voz tola e ignorante uma condenação de
pescoços e poças de sangue lhe fossem espalhadas em cantos e paredes e lhe
lavassem o rosto. soberbo a tanta maldade que lhe convir a solidão eterna.
existiria alguém merecedor de tamanha desilusão? o problema de ser assim nunca
foi a observação, porém o observado. dizia isso em frente ao espelho e se
convencia de certezas que nem mesmo acreditava. acreditava no que pudesse ser
verdade ou mentira. mentia repetidas vezes sobre o que o fizera pensar que
todos estavam de costas para ele. não enxergavam-no. o muito tempo que tomou
diariamente no escuro lhe arrancara a cor e pele. era transparente veias e
órgãos à mostra. indefeso em sua maquiagem detalhada de lobo, temia as
oferendas e chifres dos cordeiros. não queria sacrifícios ou demência ou paz e
tranqüilidade. não sabia distinguir o que lhe fazia bem dos remédios para
doenças de outros. seu hipocondrismo lhe tornava saudável e sem vida. duvidava
de suas palavras e vozes que sussurravam-lhe ouvido esquerdo, instigando seus
desejos mais puros. não os via em corpos nus e sexo mas em lágrimas e abandono.
talvez fosse melhor assim, visto que vez sempre lhe preferiu o esquecimento
eterno. em seu próprio abismo, onde criara raízes e casas e apetrechos para
manusear as dores e desesperos não vividos. sua capa era de fato reluzente e
seda vermelha em trajes aqueles que lhe cabiam estimada divindade. acreditava
na existência de um ser superior, habitando alguma camada acima de sua cabeça.
mas não tomava muito tempo em pensamentos profanos. não se devia questionar
nada que lhe colocavam sobre a cabeça. era a louça inquebrável ou baldes de
água arrancados à força de dentro da terra. essa terra que lhe abrigava e lhe
dava o que comer. quando sentia fome ardendo em barriga, lembrava de agradecer
aos frutos que colhia todos os dias. não morreria de fome, pensou. nunca mais
passaria os dias a arrancar capim e pedras para saciar bocado que fosse, mesmo
em momento pequeno demais para se dar por satisfeito. condenou aos deuses e
seus filhos e sacrifícios em vão. as pedras, cagou e construiu templo, casa e
abrigo confortável o bastante para lhe servir melhor de que alimento. protegia
da chuva e do sol. o mundo é um lugar perigoso demais. na chuva apodreceria até
morrer. primeiro a ponta dos dedos e intestinos. depois os olhos e carne. até
servir completo de banquete aos vermes. o sol lhe queimava costas e escorria
apressado o suor em seu rosto marcado pela falta de idade. não lembrava quanto
tempo havia passado desde que pisara pela primeira vez no chão fora ventre de
sua mãe. não lembrara de líquidos ou contrações. sentia de longe o cheiro do
leite e do amor que em algum lugar distante lhe atribuíam como de direito. mas
isso não fazia tanta questão diferente sobre o que queria para si. não queria
nada demais. nem um pouco de amor que desconhecera a vida toda. seus desejos
eram poucos e lhe pareciam ao tempo mesmo distantes demais.